Hoje tentei suicídio.
Pela quarta vez fui levado à emergência médica por ter tentado me matar. Digo-o tranquilamente, sem reservas, medo, culpa ou preconceito. Apesar disto, ainda corta-me o coração ver todos ao meu redor sofrendo e preocupando-se comigo, e sobretudo saber que sofrem por ter eu querido me autodestruir e eles me valorizam.
Como eu gostaria queria eu que eles todos entendessem o quanto a morte para mim não é algo assim aterrorizador ou assustador. Sinto muito ao falar tranquilamente o método que escolhi e sentimentos e pensamentos que tive no momento psicótico. A morte para mim não é um demônio, não é uma besta perseguidora de quem fujo aterrorizado. É, em vez disto, um fantasma, um espectro negro que me acompanha a cada momento e me chama a atenção quando sento na parada do ônibus, ou quando deito-me para dormir. Nestes momentos, pensamentos de todo canto do inconsciente me surgem, e a morte ali se esconde.
A morte é, para mim, aquela sombra que me acompanha sempre, como descreveu a rainha”My care is like my shadow in the sun, /follows me flying, flies when I pursue it” [Meu pesar é como minha sobra ao sol, /segue-me correndo, foge quando a tento perseguir]. A morte não é meu algoz, é meu alívio. Não é angústia, é consolo de uma vida que em poucos momentos apresenta um sentido.
A verdade é que não exatamente atentei contra mim ou minha saúde. Apenas me preparei… Mas não executei a ação final. Perturbado, chamei a emergência médica. Isto, para mim, é a prova de que meu ser mais íntimo não quer isto. Morrer para mim ainda não é uma vontade, não é uma verdade. Não desejo morrer. Tenho medo da morte, medo da dor, e acima de tudo, medo que meus queridos sofram. E se algo me mantém vivo são eles. O outro é, para cada um, ao mesmo tempo o paraíso e o inferno, e a isso damos o nome de vida.
“Por quê tudo isto?” perguntaria um espectador desconhecido da minha situação. “Não sei” eu responderia, mas neste não sei, esconderia um milhão de considerações. Um milhão de milhões que não caberiam em um texto de blog. Milhões de preocupações, responsabilidades, problemas, dificuldades, desafios, oportunidades, desagrados, frustrações e dores.
Quanto mais agreguei para a vida, mais fundo penetrei no abismo que antes só contemplei, e enfim o abismo olhou de volta para dentro de mim. Mais ocupações e compromissos, menos tempo de vida. Menos vida.
É preciso reverter este ciclo vicioso. Menos vida desperdiçada com uma objetividade destituída de sentido, mais vida em minha interioridade rica de sentimento e razão. Menos problemas insolúveis, menos remédios antidepressivos. Mais tempo para fazer nada neste mundo e consequentemente estar mais em contato com meu Eu interior. Meditar, sem produzir. Produzir menos, para viver mais.
Me parece que a saída deste dilema é realmente reverter esta ordem insensível e insípida e abrir um pouco meu coração ao caos e aos acontecimentos fortuitos da vida que, como recepção da consequência de um virtuoso carma, esperar que o bem venha por si, sem ter que construir aquilo que os outros pré-determinaram ser o bem. Tantos elementos de uma vida, afogando meu ser em sua própria expressão sem sentido só me aproximaram cada vez mais da morte. Me parece, assim que aqui se forma este meu virtuoso oxímoro: viver menos para viver mais.
Viver um pouco do que já aí está para todos nós, e viver mais o que aqui dentro guardamos, ansiando por trazer ao mundo. Sem catarses, sem pulsões. Entendendo aqui o que noz ensina o Zen, e que é tão difícil contextualizar em nossas vidas repletas de uma felicidade ditatorial, viver como uma folha que flutua no rio da vida.
De fato, é preciso afogar-se neste rio alguma vezes e, de sufoco em sufoco, aprender a respirar e mante-se calmo a fim de subir à superfície. Este é o verdadeiro desafio.
esse é o desafio diário… para uns, com intensidade bem mais profunda. em verdade, não sei o quanto o suicídio, ao suicida, pode ser “prazeroso” por colocar fim à angústia que o aflige. na minha família, tive uma tia que se suicidou, enforcada. não sei se por “pena” aos familiares, disseram que ela ainda tentou se soltar. meu convívio com ela foi curto e sempre tive vontade de ter aprofundado nossa relação, o que nunca aconteceu. ela morreu eu era novo e hoje em dia sinto que poderíamos ter uma sintonia muito forte.
não há como comparar dores e angústias, mas já sonhei que dava um tiro na cabeça, cheguei a sentir a bala atravessando minha cabeça. o sonho acabou não sendo nada assustador pra mim, apesar de eu nunca, de fato, ter tentado suicídio e nem cogitado faze-lo, mas diversas vezes, na adolescência, imaginei “n” situações em que poderia morrer.
e penso na família, em alguns amigos e na minha namorada, que também sofre das mesmas angústias. eu sempre me lembro da ideia de Camus que diz que uma vez que a semente da dúvida é plantada, ela nunca mais desaparece, fica ali, germinando e o suicida pode sê-lo por diversos motivos, não há algo específico que o leve a isso. é a desconexão com tudo, é esse abismo entre o eu e o exterior.
enfim, odeio quando julgam suicidas. sei que todos temos responsabilidades com nossos amados, mas eles também tem responsabilidade de ter empatia para com quem o fez isso. entender nunca é fácil, só entende quem vive com isso em mente, ou as vezes nem entende.
no meu aperto no peito diário, na minha falta de motivação, na minha alegria cinzenta por dentro, eu vou levando, tentando acreditar nas pílulas, tentando acreditar nos ciclos em que passo (uma hora to mais presente no mundo, outra hora bem apático) e esperando que um dia esses ciclos fiquem menos constantes.
as ideologias, os ensinamentos Zen, etc são verdades utópicas, idealizadas, não para que as alcancemos na sua plenitude, mas para que através delas consigamos alcançar algo próximo disso.
boa jornada, amigo. nesse mundo virtual e anônimo, é sempre bom perceber que existem outros que também não aguentam a realidade ditatorial da felicidade.